O preconceito se veste com várias máscaras. Quando o assunto é a discriminação a pessoas LGBTQIA+, a mais conhecida é a máscara transparente, explícita. Comentários diretos, impedimento de acesso a lugares e serviços, expulsões de casa, piadas e ridicularizações, agressões físicas, assassinatos e, em 69 países do mundo, criminalização da vivência individual. No entanto, não é apenas de forma direta que o preconceito se mostra. Uma das suas muitas formas se chama LGBTfobia internalizada.

No livro "Trinta segundos sem pensar no medo", Pedro Pacífico narra a história de sua vida desde criança a partir do ponto de vista do grande receio que o acompanhou ao longo da juventude: o pavor de ser visto enquanto um homem gay. Pedro narra seu esforço para "parecer hétero", ouvimos histórias sobre decisões baseadas neste norteador e também somos levados para os caminhos de profundidade do sofrimento que viveu. No livro, caminhamos por sintomas, frustrações, arrependimentos, estratégias, esforços e medicamentos. Em outras histórias, encontramos estas e outras consequências, todas resultado de violência.

A LGBTfobia internalizada é resultado direto da LGBTfobia do mundo compartilhado. Não existe uma sem a outra. Quando uma pessoa jovem percebe que existe recriminação de algum de seus comportamentos que seriam apontados como sinais de identidade sexual não-cishetero, isto só acontece pois alguém (pessoa, grupo, instituição, etc) diz que essa vivência é inadequada e indesejada no grupo onde está inserido. Talvez a possibilidade de exclusão não fosse tão impactante se humanos não fossem seres gregários que só garantem sua sobrevivência enquanto espécie através do coletivo. Uma criança existe a partir do olhar de seus cuidadores. Só sabe seu nome pois ouve outras pessoas referindo-se a ela dessa forma. Pensando nisto, é fácil compreender que jovens que ouvem que seus comportamentos são inadequados possam (e muitas vezes irão) rejeitar sua expressão para garantir o pertencimento ao grupo. Essa rejeição pode se expressar das mais diversas formas, mas em geral está em volta de três grandes questões: a hipervigilância, a autoestima fragilizada e a exclusão. 

A hipervigilância se refere à atenção constante à forma como a pessoa é percebida em seus comportamentos. É comum ouvir relato de pessoas que estão muito atentas ao tom de sua voz, à escolha de palavras, ao uso das mãos, à cadência do caminhar, à expressão de suas opiniões. Além disso, tudo que puder levantar questões será escondido da forma mais intensa possível. Encontramos diversos relatos de pessoas que escondem seus gostos pessoais (ritmos musicais, artistas, brinquedos, alimentos, roupas, adereços, atividades, cores) e que simulam interesse por temas que parecem adequados aos olhos dos outros (meninos que fingem gostar de futebol, meninas que fingem gostar de maquiagem, pessoas não binárias que fingem gostar de apresentações marcadamente de um gênero, etc).

A autoestima é um conjunto de sentimentos e pensamentos que aponta para a compreensão de uma pessoa sobre seu valor e sua adequação, e que será refletida na forma como irá agir em relação a si mesmo. Apesar de o termo ter sido popularizado como a qualidade de falar bem de si mesmo, muitas vezes não se refere a isto, ao menos não exclusivamente. A percepção da própria capacidade é um destes reflexos, assim como a coragem de dar passos não esperados pelo grupo e a força para mudar e frustrar o grupo de onde pertence. Estes são apenas alguns exemplos.

Um outro aspecto da autoestima que costuma refletir em pessoas que sofrem de LGBTfobia internalizada é a busca por uma representação idealizada de seu corpo, suas relações, seu mundo material e suas experiências. A possibilidade de pertencer a um grupo vem condicionada a um ideal de perfeição inatingível para todos, até para os que atingem. Pessoas que possuem corpos magros, fortes, dentro da definição dita ideal pelo seu grupo, também demonstram sofrimentos, seja pela dificuldade de conexão com outras pessoas, seja por receio de perder o lugar de admiração. Aos que não conseguem a vida "ideal", resta o esforço (algumas vezes exagerado) para encontrar tal padrão, ou a desistência. O que nos leva à terceira forma de expressão da LGBTfobia internalizada.

É fato conhecido que a população LGBTQIA+ sofre marginalização e rejeição, mas para este contexto, estamos nos referindo à autoexclusão. As possibilidades são diversas. Uma destas formas é a crença de que a pessoa não tem direito a algo. Há alguns anos, um conhecido homem gay declarou que gostaria de oficializar a relação que possuia há mais de uma década com seu parceiro, mas que não gostaria de se casar pois o casamento seria algo dedicado a pessoas heterossexuais. Esta fala, que foi criticada amplamente, escondia o aspecto da autoexclusão da LGBTfobia: para ele, gays não poderiam se casar, ao menos não dentro da referência que ele conhecia. Muitas discussões foram feitas sobre questionar o conceito do casamento, mas a declaração não o excluía das questões específicas da vida à dois, mas sim o excluía da possibilidade de declarar-se vinculado ao homem que amava com a maior expressão de compromisso que nossa sociedade possui.

Esse assunto é parte do motivo por trás dos dados alarmantes de saúde mental da população LGBTQIA+, juntamente à LGBTfobia vivida por outras pessoas. Segundo dados da Agência Brasil, 52% dos jovens LGBTQIA+ já tiveram ao menos um episódio de automutilação, em comparação com 35% dos jovens cishéteros. Os números seguem dissonantes quando o tema é ideação suicida: 44% das pessoas LGBTQIA+ já pensaram em suicídio, enquanto o número para pessoas cishéteros é de 26%. Outras questões de saúde mental que aparecem com muita frequência em pesquisas sobre a temática para esta população são: Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno Depresssivo, Transtorno de Estresse Pós Traumático, Fobias Específicas, Agorafobia e Transtornos Alimentares.

Uma forma de enfrentar este sofrimento? Na minha opinião: visibilidade e acolhimento. No Brasil, a primeira adoção por casal homoafetivo foi realizada em 2006. Até então, a solução encontrada pelas figuras parentais era a adoção apenas por uma das pessoas. Segundo a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-BR), entre 2021 e 2023 foram registradas 50.838 crianças por casais homoafetivos. Isto é reflexo da ampliação das políticas de adoção e direitos do país, mas também é reflexo do sentimento de possibilidade que estes casais possuem. Eles acreditam que podem ser pais, e podem. Esta crença cria realidade. Outro aspecto da visibilidade é a mudança, ano a ano, que percebemos na valorização de maior diversidade em corpos, estilos pessoais, experiências, expressões de afeto e de gênero. Toda vez que uma pessoa racializada ocupa um espaço de poder, outras pessoas descobrem ser possível desmontar a hegemonia embranquecida. Quando uma pessoa trans ocupa um lugar de poder, impacta a dominação cisgênera (ou, como costumam chamar, cistema). 

O acolhimento, por sua vez, deve vir de todos os lados, na compreensão daqueles que vivem próximos a estas pessoas e na compreensão pessoal de que o preconceito internalizado é um reflexo cultural que tem raízes profundas e merece atenção, cuidado e delicadeza. É possível combater as referências internas, mas antes elas precisam ser visíveis. Para que o Pedro pudesse escrever seu livro, publicar o vídeo em que se afirma um homem gay, anunciar sua relação para família e amigos, precisou primeiro ultrapassar o terror de acreditar que não seria possível viver consigo mesmo se fosse quem ele é. A partir da sua escrita, outras pessoas podem perceber que sofrem da mesma maneira, podem acolher seu sofrimento e podem questionar sua LGBTfobia internalizada.