Em
tempos de vida corrida, foco em produtividade e excesso de diagnósticos, a
pergunta "Como você está se sentindo agora?" parece ter perdido o seu
sentido de expressão de subjetividade. Estamos em um período histórico em que o
que nos move é sempre acompanhado da necessidade de produzir mais, realizar
mais, atingir mais objetivos. Dessa forma, os sentimentos têm sido delegados à
categoria de coadjuvantes, ou até de vilões do sucesso.
Acontece
que somos seres que sentem e não conseguimos fugir dessa nossa dimensão, por
mais que tentemos. Podemos nos distrair temporariamente, mas em algum momento
da vida seremos surpreendidos por isto que não tem forma concreta e não tem
lógica. Isto que nos toma e, se não cuidado, nos impede de fazer, de produzir,
de seguir. Por vezes, literalmente de seguir (você já ouviu alguém falar que
sentiu tanto medo que foi incapaz de andar? Pois é).
Para
cuidar desta dimensão da nossa existência, precisamos olhar para ela. Saber que
sentimos, o que sentimos e como sentimos. E não enquanto tarefa, mas enquanto
observação ativa. Observar e se conectar com os próprios sentimentos permite
que estes deixem de ser abstratos, ganhem contorno e possibilidade de lida. Só
podemos resolver um problema que existe.
A
conexão com nossos sentimentos sutis, porém, é difícil e requer treino. Algumas
pessoas têm mais facilidade do que outras para realizar esse treino, e durante
a vida o fazem, sem notar. São aquelas pessoas que consideramos
"sensíveis" a seus próprios sentimentos e aos sentimentos de outros.
Outras pessoas não possuem tal facilidade, demonstram maior dificuldade para
descrever o que sentem e muitas vezes se apoiam em duas formas diferentes:
1)
Definições Generalizadas
É
muito comum que nos apoiemos em definições 'pré-fabricadas' para falar do que
sentimos. Quantas vezes você já ouviu: "Eu tenho transtorno de
ansiedade"? Sempre que uma pessoa sem diagnóstico fechado por psicólogo ou
psiquiatra se autointitula desta forma, penso no que seria a ansiedade
"normal". E uma crise, do que se trata? Se perguntarmos a estas
pessoas o que sentem, teremos uma variedade bastante grande de sintomas e
sentimentos, alguns bastante diferentes entre pessoas. Teremos, inclusive,
variedades distintas de intensidade de sensações, o que poderia abrir a
discussão sobre o que é normal e o que é patológico.
Será
que todos que se descrevem em transtorno de ansiedade têm real consciência do
que estão sentindo, ou definem-se desta forma por terem lido ou ouvido sobre o
transtorno? Segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados à Saúde - CID-10, a classificação para Ansiedade
Generalizada (F41.1), afirma que:
"Os
sintomas essenciais são variáveis, mas compreendem nervosismo persistente,
tremores, tensão muscular, transpiração, sensação de vazio na cabeça,
palpitações, tonturas e desconforto epigástrico. Medos de que o paciente ou um
de seus próximos irá brevemente ficar doente ou sofrer um acidente são
freqüentemente expressos."
O
CID 41.1 descreve este estado como persistente e não relacionado a algum evento
determinado. Dessa forma, quando algo acontece e ficamos ansiosos, não poderíamos
ser considerados como portadores do transtorno. Se fossemos conversar com todas
as pessoas que se descrevem como ansiosas, notaríamos que o diagnóstico poderia
ser aplicado a uma parcela delas, mas não a todas.
Uma
outra parcela reúne as pessoas que encontraram no diagnóstico uma forma de
expressar o que sentem. Não há nada errado em encontrar um nome para o que
sentimos, contanto que não nos apoiemos em definições generalizadas, aquelas
que tentam sem sucesso encaixar todas as pessoas em uma "caixa", a
caixa da patologização (o ato de tornar algo natural em patológico). Além
disto, o CID é apenas uma das diversas formas de descrever o que sentimos - e
não a única ou a correta, ao contrário do que se diz por aí.
2)
Sentimentos-Pensamentos
Outra
forma bastante comum de descrever os sentimentos é atribuir a eles pensamentos
ou ações específicas. Muitas vezes discorremos longamente sobre alguma situação
vivida e quando nos questionam sobre nosso sentimento frente ao ocorrido, nos
percebemos dizendo frases como "sinto que deveria ter pensado antes de
agir", ou "sinto que poderia bater nele".
Esta
forma de lida com os sentimentos ultrapassa a percepção e parte diretamente
para a resolução do conflito. O problema é que, sem perceber o impacto de forma
consciente, não deixamos de senti-los. Dessa forma, podemos notar que quando
descrevemos os sentimentos enquanto pensamentos, em geral estes pensamentos vêm
contaminados com sensações. Nos exemplos do parágrafo acima, "sinto que
deveria ter pensado antes de agir" demonstra certo arrependimento, e
"sinto que poderia bater nele" demonstra raiva.
Mas
se os sentimentos-pensamentos demonstram as sensações, de forma velada, qual
seria o problema em nos apoiarmos nessa forma de descrição do nosso mundo
interno? O problema é que desta forma desaprendemos a entender o que se passa
internamente e buscamos cada vez mais responder de forma imediata, ou seja,
desprezamos o momento entre sentir e agir, tão importante para evitar decisões
erradas.
Além
disso, notar o impacto de uma ação sobre nós é, talvez, a ferramenta mais
importante para nosso autoconhecimento. Temos várias formas de buscar nos
conhecer, mas tendemos a ignorar aquela que só depende de nós mesmos: o olhar
para dentro.
Como
faço para saber como estou me sentindo hoje?
As
duas formas que descrevo acima são incapazes de apresentar o que se passa em
nosso mundo interno. Então como podemos acessar, descrever e lidar com
estas sensações que tantas vezes não parecem ter nome?
O
que costumo fazer é traçar um caminho a partir do que temos como conhecido. Em
geral, é como caminhar no escuro, tateando o entorno. Tenho dois caminhos para
conhecer, e posso começar por qualquer um deles:
Nomear
através dos sentimentos que conhecemos:
Começo
por algo que pode parecer óbvio, mas não é: É bom ou ruim? A partir daí,
expandimos para sentimentos amplos, como alegria, tristeza, raiva, medo, etc.
Por fim, exploro os nomes mais "refinados" de sentimentos. Por
exemplo: "É ruim, parece ser algo que remete a raiva, mas não é tão
intensa. Dentre os sentimentos não intensos que parecem com raiva, acho que
chamar o que sinto de incômodo pode dar conta de explicar."
Tatear
efeitos deste sentimento no corpo:
O
trajeto para essa forma de descrição dos sentimentos envolve prestar atenção ao
corpo. Quando você sente tristeza, como esta se expressa em seu corpo? Seria
diminuição nos batimentos cardíacos, aperto na garganta, mudança de fisionomia
com olhos rebaixados e úmidos? E a alegria, seria expansão do peito, vontade de
rir, abertura dos olhos?
Ótimo.
Entendi o que estou sentindo. E agora?
Agora
que observamos e nomeamos os sentimentos, podemos partir em direção de
compreende-los. Falar sobre eles, questioná-los, experienciá-los. Não fugir.
Fugir do que se passa internamente não só não ajuda a resolver o dia-a-dia,
como pode atrapalhar. Não conseguimos agir de forma completamente neutra ou
livre de qualquer tonalidade afetiva. Tudo o que pensamos e fazemos vem
temperado com o que sentimos. Se pudermos compreender tais sentimentos, podemos
agir e viver de forma mais compreensiva conosco e com os outros.
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Observou? Agora fale. |
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